Neste post quero introduzir, na íntegra, o “Manifesto para
uma Ciência Pós Materialista”, publicado na plataforma opensciences.org, apresentando-o ao leitor que ainda
não está familiarizado com seu importante conteúdo. A razão pela qual se torna
premente apresentarmos o “Manifesto” é porque a mudança da visão materialista
para a visão pós materialista da ciência é de vital importância para a evolução
da civilização humana. Cientistas e acadêmicos pós materialistas não devem
temer incluir em seu repertório metodológico o estudo da espiritualidade, a “espiritologia”
das experiências espirituais e até mesmo da religiosidade, como muitas
Universidades no Brasil e no mundo já estão fazendo nos últimos anos. Tudo isso
é essencial e natural à existência humana e à compreensão do corpo, da mente e
do espírito, como partes da estrutura central do universo em que vivemos. Baseados
nas antigas e milenares práticas corpo-mente-espírito, alteramos a visão que
temos de nós mesmos e damos um enorme passo “transmaterial”, “transpessoal” e “transdimensional”,
de maneira a podermos compreender melhor essa questão da saúde, a salutogênese,
e da doença, a patogênese, sejam elas físicas e/ou psicológicas e/ou
espirituais, ajudando, assim, a responder a duas perguntas fenomenológicas existenciais
fundamentais: Quem somos nós? Qual o sentido da vida?
Abaixo segue a tradução na íntegra do texto do “Manifesto”:
“Somos um grupo de cientistas mundialmente conhecidos,
pertencentes a vários campos científicos (biologia, neurociência, medicina,
psiquiatria) que participaram numa Cimeira internacional sobre a ciência pós materialista, espiritualidade e sociedade. A Cimeira foi organizada em
conjunto por Gary E. Schwartz, PhD e Mario Beauregard, PhD, da Universidade do
Arizona e Lisa Miller, PhD, Universidade de Columbia, Nova Iorque. Esta Cimeira
foi levada a cabo no Rancho Canyon em Tucson, Arizona entre 7 e 9 de fevereiro
de 2014. O propósito foi discutir o impacto da ideologia materialista na
ciência e a emergência de um paradigma pós materialista para a ciência,
espiritualidade e sociedade. Chegamos às seguintes conclusões:
1. O
ponto de vista científico moderno está assente predominantemente em suposições
que estão estritamente associadas com a física clássica newtoniana. O
materialismo – a ideia de que a matéria é a única realidade – é uma dessas
suposições. Uma suposição relacionada é o reducionismo, a noção de que coisas
complexas podem ser compreendidas ao reduzi-las às interações das suas partes
ou a coisas mais simples e fundamentais tais como minúsculas partículas de
matéria.
2. Durante o século XIX,
estas suposições afunilaram, transformando-se em dogmas e foram estratificadas
num sistema ideológico de crenças que veio a ser conhecido por “materialismo
científico”. Este sistema de crenças infere que a mente[1]
não é nada mais do que a atividade física do cérebro e que os nossos
pensamentos não podem ter quaisquer efeitos sobre os nossos cérebros e corpos,
sobre as nossas ações e sobre o mundo físico.
3. A ideologia do
materialismo científico tornou-se dominante no mundo acadêmico durante o século
XX. Tão dominante que a maioria dos cientistas começou a acreditar que isso
estava fundamentado na evidência empírica estabelecida e que representava o
único ponto de vista racional do mundo.
4. Os métodos
científicos baseados na filosofia materialista foram extremamente
bem-sucedidos, não apenas no aumento da nossa compreensão da natureza, mas
também em trazer um maior controle e uma maior liberdade, proporcionados pelos
avanços na tecnologia.
5. Contudo, a dominância quase absoluta
do materialismo no mundo acadêmico restringiu as ciências e dificultou o
desenvolvimento do estudo científico da mente e da espiritualidade. A fé nesta
ideologia, como um enquadramento exclusivo explicativo da realidade, levou os
cientistas a negligenciarem a dimensão subjetiva da experiência humana. Isto
levou a uma compreensão distorcida e empobrecida de nós próprios e do nosso
lugar na natureza.
6. A ciência é, primeiro que tudo, um
método não dogmático e imparcial de adquirir conhecimento acerca da natureza,
por meio da observação, da investigação experimental e da explicação teórica
dos fenômenos. (grifo nosso). A sua metodologia não é sinônimo de
materialismo e não devia estar comprometida com quaisquer crenças, dogmas ou
ideologias em particular.
7. No final do século XIX, os físicos
descobriram os fenômenos empíricos que não podiam ser explicados pela física
clássica newtoniana. Isto levou ao desenvolvimento, durante os anos 20 e
princípios dos anos 30 do século XX, de um novo ramo revolucionário da física,
a que se chamou de mecânica quântica (MQ). A MQ pôs em questão as fundações
materiais do mundo ao mostrar que os átomos e partículas subatômicas não são de
fato objetos sólidos – não existem, de certeza absoluta, em localizações
espaciais definidas e tempos definidos. Mais importante do que isso, a MQ
introduziu explicitamente a mente na sua estrutura conceptual de base já que se
descobriu que as partículas, ao serem observadas, e o observador – o físico e o
método usado para a observação – estão ligados. De acordo com uma interpretação
da MQ, este fenômeno significa que a consciência do observador é vital para a
existência das ocorrências físicas a serem observadas e que as ocorrências
mentais podem afetar o mundo físico (grifo nosso). Os resultados de
experiências recentes apoiam esta interpretação. Estes resultados sugerem que
o mundo físico não é mais o primeiro ou
único componente da realidade e que não pode ser totalmente compreendido sem
fazer referência à mente (grifo
nosso).
8. Estudos psicológicos mostraram que a
atividade mental consciente pode influenciar de fato o comportamento e que o
valor explicativo e previsto de fatores em causa (por exemplo, crenças,
objetivos, desejos e expectativas) é muito elevado. Além disso, a pesquisa em
psiconeuroimunologia indica que os
nossos pensamentos e emoções podem afetar com intensidade a atividade dos
sistemas fisiológicos (grifo nosso), (isto é, imunológico,
endócrino, cardiovascular) relacionados com o cérebro. Em outros aspectos, os
estudos de imaginologia neuronal de autorregulação emocional, psicoterapia e o
efeito placebo demonstram que as
ocorrências mentais influenciam significativamente a atividade do cérebro.
9. Os estudos
dos chamados “fenômenos psi” indicam que podemos receber, algumas vezes,
informação significativa sem o uso dos sentidos e de maneiras que transcendem
as restrições habituais do espaço e do tempo (grifo nosso). Além disso, a pesquisa psi demonstra que podemos
influenciar mentalmente – à distância – instrumentos físicos e organismos vivos
(incluindo outros seres humanos). A pesquisa psi mostra também que mentes
distantes umas das outras podem comportar-se de formas que estão relacionadas
não localmente, isto é, a hipótese diz-nos que as relações entre mentes
distantes não têm um meio (não estão ligadas a qualquer sinal energético
conhecido), não são diminuídas (não se degradam com o aumento da distância) e
são imediatas (parecem ser simultâneas). Estas ocorrências são tão comuns que
não podem ser vistas como anômalas nem como exceções às leis naturais, mas
indicações da necessidade para um enquadramento explicativo mais vasto que não
pode ser fundamentado exclusivamente no materialismo.
10. A atividade
mental consciente pode ser experienciada na morte clínica durante uma parada
cardíaca (grifo nosso) (aquilo a que se tem chamado “uma experiência de quase morte”
(em inglês NDE, i.e. Near Death Experience). Algumas pessoas que passam
por este fenômeno (em português EQM, i.e., Experiência de Quase Morte),
relataram percepções fora do corpo
verídicas (percepções que se pode provar coincidirem com a realidade) que
ocorreram durante uma parada cardíaca. As pessoas que passaram pela EQM
relataram também experiências espirituais profundas durante os fenômenos de
EQM, desencadeados pela parada cardíaca. É de notar que a atividade elétrica do
cérebro cessa poucos segundos após a parada cardíaca.
11. Experiências controladas em
laboratório documentaram que médiuns proficientes em pesquisa (pessoas que
afirmam poder se comunicar com as mentes de pessoas que morreram fisicamente)
podem por vezes obter informação altamente precisa sobre indivíduos falecidos.
Isto apoia a conclusão, mais uma vez, de que a mente pode existir separada
do cérebro (o grifo é nosso).
12. Alguns cientistas e filósofos, que
seguem um ponto de vista totalmente materialista, recusam-se a aceitar estes
fenômenos porque não são consistentes com a sua visão exclusivista do mundo. A
rejeição da investigação pós-materialista da natureza ou a recusa em publicar
resultados científicos fortes que apoiam um enquadramento pós-materialista são
antiéticos em relação ao verdadeiro espírito do questionamento científico
que salienta que os dados empíricos devem ser sempre tratados adequadamente
(grifo nosso). Os dados que não se encaixam em teorias e crenças favorecidas
não podem ser descartados a priori.
Tal renúncia faz parte do reino da ideologia, não do da ciência.
13. É importante compreender que os
fenômenos psi, experiências de quase morte em paradas cardíacas e as evidências
de que se pode reproduzir por parte de médiuns de pesquisa credíveis parecem anômalos
apenas quando vistos sob as lentes do materialismo.
14. Além disso, as teorias materialistas
não conseguem elucidar como é que o cérebro poderia ter gerado a mente e são
incapazes de explicar a evidência empírica referenciada neste manifesto. Esta
falha diz-nos que é tempo agora de nos libertarmos dos grilhões e dos antolhos
da velha ideologia materialista para alargarmos o nosso conceito do mundo
natural e abraçarmos um paradigma pós-materialista.
15. De acordo com o paradigma
pós-materialista:
a) A mente representa um aspecto da
realidade tão primordial como o mundo físico. A mente é fundamental para o
universo, isto é, não pode ser um derivado da matéria e reduzida a algo de
básico.
b) Há uma interconectividade
(interligação?) profunda entre a mente e o mundo físico.
c) A mente (vontade / intenção) pode
influenciar o estado do mundo físico e operar de maneira não local (ou de
maneira extensível), isto é, não está confinada a pontos específicos no espaço
tal como cérebros e corpos nem a pontos específicos no tempo, tais como o
presente. Como a mente pode influenciar não localmente o mundo físico, as
intenções, as emoções e os desejos de um experimentador não podem ser isolados
completamente de resultados experimentais, mesmo em projetos experimentais
controlados e cegos.
d) As mentes são aparentemente sem
limites e podem unir-se de formas que sugerem Uma Mente unitária que inclui
todas as mentes individuais e singulares.
e) As experiências de quase morte em
paradas cardíacas sugerem que o
cérebro atua como um transmissor/receptor da atividade mental, isto é, a mente
pode trabalhar por meio do cérebro, mas não é produzida por ele
(grifo nosso). As experiências de quase morte que ocorrem em paradas cardíacas
adicionadas à evidência de médiuns de pesquisa sugerem mais uma vez a
sobrevivência da consciência em seguida à morte do corpo e a existência em
outros níveis da realidade que são não-físicos (grifo nosso).
f) Os cientistas não deveriam ter medo
de investigar a espiritualidade e as experiências espirituais porque elas
representam um aspecto central da existência humana.
16. A ciência pós materialista não
rejeita as observações empíricas e o grande valor dos feitos científicos
realizados até agora. Procura expandir a capacidade humana de melhor
compreender as maravilhas da natureza e, no processo, redescobrir a importância
da mente e do espírito como fazendo parte do tecido essencial e nuclear do
universo. O pós materialismo inclui a matéria, que é vista como um constituinte
básico do universo.
17. O paradigma pós materialista tem significados vastos. Altera fundamentalmente a visão que temos de nós próprios, devolvendo-nos a nossa dignidade e poder como humanos e
como cientistas. Este paradigma sustenta valores positivos tais como a
compaixão, o respeito e a paz. Ao enfatizar uma conexão profunda entre nós e a
natureza em geral, o paradigma pós-materialista promove também a
consciencialização ambiental e a preservação da nossa biosfera. Além do mais,
não é algo novo, mas apenas algo que foi esquecido durante 400 anos, que uma compreensão transmaterial vivida pode ser
a pedra angular da saúde e do bem-estar como foi considerada e preservada em
práticas antigas da mente-corpo-espírito, tradições religiosas e
abordagens contemplativas (grifo nosso).
18. A mudança da ciência materialista para a
ciência pós materialista pode ser de importância vital para a evolução da
civilização humana. Pode ser ainda mais fulcral do que a transição do
geocentrismo para o heliocentrismo.”
[1]
É importante assinalar aqui que
a palavra mind, utilizada na versão francesa, é "esprit"
(espírito). (N.
do A.)